quinta-feira, 12 de abril de 2012

Banqueiros choram ante à perspectiva de baixar a taxa de juros e ajudar o Brasil. E a mídia faz o que?

Depois que Caixa e BB, sob orientação do governo federal, anunciaram a derrubada na taxa de juros, banqueiros de bancos privados foram até o ministro da Fazenda, Guido Mantega, numa chiadeira de coitadinhos. A choradeira não convenceu ninguém.

Os banqueiros  não querem baixar  as taxas de juros e nem o spread, que é a diferença entre o que o banco paga para captar dinheiro de investidores e o que cobra de juros dos tomadores de empréstimos.

Tiveram o desplante de apresentar 20 propostas  de medidas compensatórias à eventual diminuição da abusiva taxa de lucros.

Pediram a redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrados dos bancos apresentaramque envolvem desde a diminuição de impostos até a redução do depósito compulsório (dinheiro que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central).

 Outra proposta dos banqueiros é a extensão, para outros tipos de operações de crédito, de benefícios que existem para os financiamentos imobiliários. Também foi sugerido que os clientes com planos de previdência complementar possam usar parte das reservas no fundo de pensão como garantias de empréstimos.

São propostas indecentes e como bem diz o presidente da Contraf-CUT, Carlos Cordeiro, "Em vez de barganhar vantagens, os banqueiros deviam seguir o caminho aberto pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que já anunciaram quedas nas taxas de juros, como forma de contribuir também para a diminuição do spread, a melhoria do crédito e o estímulo à produção e ao consumo para gerar mais empregos, distribuir renda e alavancar o desenvolvimento econômico e social do País".
Carlos Cordeiro, pte da Contraf-CUT.

Enfático, o presidente da Contraf-CUT contesta "as lágrimas de crocodilo" dos bancos. "Eles possuem uma lucratividade muito alta e invejável na economia brasileira. Vivem fazendo aquisições e fusões, onde só eles ganham. Hoje, meia dúzia de instituições concentra 90% do sistema financeiro, acumulando lucros gigantescos, sem oferecer contrapartidas para a sociedade, que paga os juros mais altos do mundo, tarifas abusivas, spread nas alturas e bônus milionários para altos executivos. Além disso, é um dos setores que menos gera empregos no país".

Taxa do cartão de crédito nas alturas -  A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) mostra que a taxa do cartão de crédito no Brasil é a mais alta na comparação com cinco países da América do Sul e o México. A soma das taxas dos seis países não chega ao valor médio dos juros cobrados pelas operadoras de cartão de crédito no Brasil.

 Segundo a Proteste, o brasileiro pagava no início do ano uma taxa média de juros de 237,9% ao ano. Isto é quase cinco vezes superior à da Argentina, que aparece na segunda colocação com uma taxa média de 50% ao ano. Atrás da Argentina aparece o Chile, com taxa média de 40,7%, seguido pelo Peru, com taxa de 40%, o México, com taxa de 36,2%, e a Venezuela, com taxa de 29%. A menor taxa foi a da Colômbia, com taxa média de juros de 28,5% ao ano no cartão de crédito.

A Contraf-CUT defende a realização de uma Conferência nacional do Sistema Financeiro. "Queremos discutir com a sociedade o papel dos bancos. Como concessões públicas, eles têm de prestar contas à nação e colaborar com o desenvolvimento econômico e social do país. O que fazem hoje, ao oferecer crédito prioritariamente para o consumo em detrimento da produção e com juros altíssimos, é exatamente o inverso do que a sociedade espera", diz Carlos Cordeiro.

E a velha mídia, o que disse?

O ex-bancário, jornalista, santareno e professor de Comunicação da UNB, Samuel Lima, em primoroso artigo publicado no Blog do Jeso, que a notícia histórica da baixa da taxa de juros no BB e Caixa não foi tratada com a memória e o contexto merecedores. Nenhum infográfico, tabela ou informação que ajudasse o leitor a compreender o alcance da medida, caso a regulação dos bancos públicos seja eficaz e puxe o mercado à prática desejada pela sociedade.

Leia  todo o artigo:

 

Notícias sem memória, nem história


Samuel Lima.

Os dois maiores bancos públicos do país, Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF), seguindo orientação de Estado, anunciaram a redução das taxas de juros para crédito aos clientes, como é o caso do cheque especial e cartões de crédito.
No BB caem de 13,62% para 3% os juros no crédito rotativo do cartão; na CEF, os encargos no cheque especial caíram de 8,01% para 1,35% ao mês. Nas páginas de O Globo e da Folha de S. Paulo, no entanto, essa notícia de caráter histórico é tratada sem nenhum contexto, nem memória.
Para começar, nas reportagens analisadas não há nenhuma menção aos lucros recordes do sistema financeiro, historicamente ancorados na espoliação de clientes (através de taxas de juros extorsivas), bem como no desvio da função primordial de um banco – que seria executar a intermediação financeira, estimulando a atividade produtiva na sociedade.
Os banqueiros “se acostumaram” a especular e extorquir dinheiro dos clientes, seja através de juros abusivos ou pela cobrança indiscriminada das tarifas, que somadas as receitas de prestação de serviços cobrem em mais de 100% as despesas de pessoal. Nenhum infográfico, tabela ou informação que ajudasse o leitor a compreender o alcance da medida, caso a regulação dos bancos públicos seja eficaz e puxe o mercado à prática desejada pela sociedade.
Febraban dispara antes…
No caso da Folha de S. Paulo, a primeira providência foi chamar o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que disparou em artigo (“Crédito a 2% ao mês? Não vai dar certo”):
Isso é inviável. Lamentavelmente, da maneira que está sendo lutada, é uma batalha perdida. Não é por falta de boa vontade ou de capacidade dos envolvidos. Sem subsídios ou prejuízos, não é possível. Os grandes bancos no Brasil não conseguem emprestar ao consumidor nesse patamar de taxas. Basta analisar seus balanços e verificar que as margens almejadas seriam deficitárias (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/35496-credito-a-2-ao-mes-nao-vai-dar-certo.shtml, acessada em 06/04/12, às 11h36).
Para Troster, que agrega ao seu local de “fala” o fato de ser também ex-professor da PUC-SP, Mackenzie e USP, “existem, sim, alguns abusos, mas são localizados. Os dois bancos citados e a maioria das outras instituições não praticam esses abusos”.
Como assim? E os lucros exorbitantes do sistema financeiro, incluindo os bancos públicos, foram gerados em cima de quê? Qual o impacto dos juros escorchantes e das apostas em títulos da dívida pública nos ganhos dos banqueiros? Quando os bancos voltarão a cumprir o papel de banco, ou seja, praticar a intermediação financeira sem espoliar clientes e a sociedade?
As fontes mobilizadas pela reportagem de O Globo também não esboçam qualquer discussão sobre o modelo do sistema bancário no país, tampouco falam de seus lucros estratosféricos. Considerando os cinco maiores bancos, o lucro líquido somado chegou aos R$ 50,7 bilhões, em 2011. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE – Linha Bancários:http://www.dieese.org.br/esp/desempenhoBancos2011.pdf).
Também pudera, entre essas instituições (Banco do Brasil, CEF, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander), o índice de cobertura das despesas de pessoal com receitas de prestação de serviços e tarifas atinge 108,6%, na Caixa Federal, e chega ao máximo de 163,0% no Santander.
Banqueiros querem “compensação”
Voltando à reportagem d’O Globo, o texto abre espaço para os banqueiros que naturalmente não apostam na medida: “Os bancos privados avaliam que o spread (diferença entre o custo da captação e o valor cobrado do tomador final) somente cairá com a adoção de medidas de longo prazo, que melhorem as condições legais e tributárias e não apenas corte de juros “na canetada” (http://oglobo.globo.com/economia/apos-bb-caixa-baixarem-juros-bancos-privados-contra-atacam-4509664).
Mesmo sem contextualizar o assunto adequadamente, a matéria de Geralda Doca tem o mérito de trazer informações de bastidores que deixam claro a estratégia da Febraban: pressionar o governo Dilma a adotar medidas compensatórias (no tocante às garantias e à redução de impostos cobrados dos bancos).
Ainda que seja promissora a aposta do governo federal, ao orientar os bancos públicos a praticarem taxas de juros mais baixas, é mister lembrar que uma taxa de juros de 1,35% (ao mês) no cheque especial (oferta da CEF) resulta num encargo anual de 17,45% enquanto a taxa básica de juros da economia (SELIC) é de 9,75% – com tendência de fechar 2012 abaixo dos 9%, segundo indicações do Comitê de Política Monetária.
No texto de O Globo, fontes off fazem uma outra afirmação categórica: BB e CEF terão seus lucros reduzidos em R$ 2,5 bilhões por ano. A pergunta é: quem estaria ganhando? Os tomadores de crédito? A economia do país?
A necessidade da contextualização dos fatos é algo cada vez mais essencial ao jornalismo, no alvorecer desse novo ecossistema midiático digital, marcado pela notícia em tempo real. Sem isso, os fatos parecem flutuar sem nexo na espiral de informações infinda que não para de circular, a cada instante nos portais online.
Deixar banqueiros (e seus modelos de negócios) “à sombra”, num debate dessa natureza, transforma a matéria-prima do jornalismo, em sua perspectiva de servir à sociedade, como brotos, à flora da terra…
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* Santareno, é docente da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB). Professor-visitante do curso de jornalismo da UFSC e pesquisador do objETHOS. Escreve regularmente neste blog.

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